quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Finais Iniciados

Passei pela Travessa para comprar "The Proud Highway" do Hunter S. Thompson que havia encontrado no dia anterior e que estava em promoção. Acabei descobrindo que um colega meu de faculdade trabalha na livraria. Jornalista que é vendedor durante a baixa temporada e animador de campos de férias e cruzeiros mundo afora. Prova número UM.
Almocei uns pastéis e uma truta vegetariana no Degrau. Na mesa ao lado, um grupo de cinco senhores conversava em voz alta sobre o passado, demonstrando, por A mais B, que esse mesmo passado era melhor e tal. Prova número DOIS.
Tem dia em que eu realmente não quero chegar a nenhum dos dois casos acima citados. Eu adoro escrever e não tenho essa veia de vendedor alegre e descontraído, que acha que o cliente tem sempre razão. E eu não quero comemorar meus 50 ou 60 invernos relembrando o passado como algo amargo demais para ser exposto na mesma vitrine do presente. E porque diabos eu divago sobre esses dois meros exemplos? Nem eu sei ao certo. Acho que é sinal de velhice precoce, ou incerteza quanto às minhas assaz desprezadas funções de jornalista. sinal da readaptação.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Palavras de uma brisa morna na boca de uma mente fria

Desliguei a televisão às nove da noite, me servi de vinho e coloquei a trilha sonora do "Apocalypse Now" no som do quarto.
O rádio fica ligado a maior parte do dia, seja na emissora de notícias, seja na de música clássica. Outro dia, escutei uma hora de um compositor italiano (Luciano Berrio, talvez seja isso...) que me fez lembrar da trilha sonora do "2001" do Kubrick. Se bobear, era o mesmo cara.
Às vezes, esse tipo de momento me dá vontade de chorar. Mas aí eu penso mais uma vez, e concluo que não vai adiantar muita coisa. Não vai ser um desabafo válido; apenas uma água salgada saindo dos meus olhos, resultado de vários processos químicos cerebrais cujas explicações você encontra na Wikipedia.
É, a rádio realmente me salva. Pelo menos à noite.
O vinho também salva, mas com a rádio você não precisa escovar os dentes depois de escutar um Wagner, um Tchaikovsky, ou um Rossini.

Diálogo de dois alvos fáceis em uma das mesas do Empório

(Rua Maria Quitéria, Pitboyland – 20:30)
"Boa noite..."
"Boa noite. Você vê dois chopps pra gente, por favor?"
"É pra já..."
(sons de cigarros sendo acesos ao som do intenso tráfego e ao som de alguma música da Blondie...)
"Mas como eu dizia, eu acho que era uma indireta..."
"Pode ser apenas atua imaginação. Você quer que seja uma indireta..."
"Talvez..."
"Dois chopps..."
"Valeu..."
"Havia uma certa cautela nas frases."
"Isso também pode ser tua imaginação. Você criando todo um cenário e tal..."
"Porra, você realmente não tá ajudando muito, hein?"
"Só tô dizendo o que eu acho, só isso."
"Valeu, isso faz A diferença em uma cidade como esta..."
"Ainda se adaptando?"
"Readaptando."
"Existe um certo charme – um plano B dos divorciados – em não se adaptar completamente a uma cidade. Mesmo se você já conhece essa cidade como a palma da sua mão."
"Não é o meu caso..."
"Mas é fato que você não é muito fã de Pitboyland."
"Tem seus prós e seus contras, como qualquer outra cidade. Gente boa e gente ruim. Dias agradáveis e dias péssimos."
"Mas desde que você chegou, a tua cabeça tá meio desligada do contexto. Como se alguma ansiedade andasse contigo por onde quer que você vá."
"Uau! E você nem tomou metade do chopp, hein?"
"Pois é..."
"Minha cabeça às vezes tá em outro lugar, em assuntos agradáveis mas que foram deixados pela metade. Outro dia, vi um filme de ficção científica no qual o protagonista vende a alma para dar uma espiada em alguns minutos do futuro. É claro que a partir dali tudo fica diferente, cheio de ação e reviravolta. Mas é algo a se pensar."
"O futuro?"
"Apenas alguns minutos do futuro."
"Não vale a minha alma."
"Nem a minha, mas não é algo que você decide em um segundo."
"Com certeza."
"É o tipo de sacada precisa à qual você só tem direito raríssimas vezes ao longo de uma vida."
"Ok. Você certamente vai precisar de mais chopp. Mais dois chopps, por favor. Mas então: o que diabos você tem feito durante a semana?"
"O de sempre. Maratona de currículos, aluguel de filmes, chopp no Clipper, aposta na Mega-Sena e conversa com o vendedor de balas da esquina. Além dos textos, é claro."
"...E Empório nas noites de quarta..."
"Velhos hábitos não morrem tão fácil..."
"Ainda bem."
(Dez chopps – cada – mais tarde, ao som do "Howlin’ to the Moon" dos Ramones, os dois alvos fáceis saem do nobre estabelecimento e rastejam, tortos, pela Visconde de Pirajá em direção ao Leblon. Nem mesmo a mais astuta das agências de inteligência é capaz de saber o que acontecerá a seguir...)