quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Meu único amigo, El Brujo

Meu principal confidente para assuntos de divórcio e afins é um cara cujo apelido gera uma certa confusão: El Brujo. Talvez o leitor não saiba, mas estas terras tupiniquins estão apinhadas de “bruxos”. El Brujo, porém, não é nada famoso. Pelo menos não fora de Hardcore Brasília. Sua vida é cercada de mistérios e muitos acham que ele não passa de um débil mental, vagabundo, filhinho-de-papai. Antes mesmo de conhecê-lo em pessoa, ouvi duas anedotas acerca da figura.
A primeira relata que El Brujo estava em uma palestra de um certo “mago” que vendera milhões de livros e que, lá pelas tantas, em meio aos devaneios do dito mago, El Brujo levanta, interrompe o palestrante e solta, em alto e bom som, um “Porra, mas você só fala merda, hein?”; no que todos caíram na gargalhada. El Brujo, é claro, foi expulso por seguranças e processado por desordem. A segunda anedota é contada pelo mendigo bêbado da esquina da rua habitada por El Brujo. Esse bêbado às vezes dá a impressão de estar envolto em alguma aura hi-tech à la Matrix, com traços reluzentes saindo de seu corpo para maiores explicações e futuros estudos. Segundo o mendigo, El Brujo ainda nem havia deixado o Céu, quando Deus resolveu mandá-lo para a Terra como uma mensagem divina. Segundos depois de empurrá-lo em direção ao Planeta Azul, Deus foi perguntado por algum arcanjo se Ele não havia trocado as bolas e enviado o “pacote errado” ao invés do verdadeiro Salvador. Há males que vêm para bem...
El Brujo também costuma conversar com o cavalo do catador de papelão e com o buldogue francês de seu vizinho que trabalha na Zara.
Quando cheguei na portaria do prédio onde residia El Brujo, percebi que ele estava terminando de escutar “One of the Living”, da Tina Turner, e começando a ouvir “Infatuation”, do Rod Stewart. Foi então que uma senhora gritou comigo:
“Ei, moçinho, você vai para o apartamento 302?”
Respondi que sim.
“Então diz praquele boçal de merda abaixar esse som!!! Do contrário, chamo a polícia!!!”
Adentrei a portaria, subi os três lances de escada e bati na porta com certa força.
El Brujo abriu a porta. Vestia uma calça social cinza escura, uma camiseta regata branca e meias pretas. Saudou-me como de praxe:
“E aí, viadinho? Acordou cedo, foi? Quer um café?”
“Pode ser, valeu...”, respondi.
Eis o que El Brujo possui de mais insólito em seu apartamento de quarto e sala: agendas (muitas delas) repletas de recortes, anotações, comentários, fotos, desenhos, recortes e demais pedaços de papéis herméticos; uma espingarda de cano duplo que não funciona (mas que impõe certo respeito), herança de um avô que nasceu, viveu e morreu na França; um pôster do John Cleese interpretando o cozinheiro Mungo (somente para finos conhecedores...); postais com desenhos de Moebius colados na porta da geladeira com fita adesiva; três máscaras africanas decorando a parede na qual se encontra a televisão e os demais aparelhos de áudio e vídeo; vários engradados contendo seus LPs, CDs e DVDs; uma foto autografada e emoldurada do Tom Waits; outra foto autografada de um jogador desconhecido do Spartak de Moscou; estantes abarrotadas de livros (isso É insólito em um país como este...); um freezer quebrado e repleto de histórias em quadrinhos estrangeiras, devidamente embaladas e identificadas; um adesivo do Reino da Dinamarca colado na porta da geladeira que funciona (em caso de alimentos podres...); três tijolos usados como cinzeiros; caixas e mais caixas de arquivos (com recortes, artigos diversos e revistas antigas); um samovar original; entre outros objetos.
Eu entrei ao som de Rod “Coveiro” Stewart, segui El Brujo até a cozinha e sentei em uma das cadeiras que o anfitrião “pegara emprestado” de bares e botecos ao longo dos anos. O cheiro de café era bom e impregnava o ambiente. El Brujo serviu duas generosas xícaras e sorriu maliciosamente. Mais uma longa conversa seria iniciada.

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